Casto

A carta.


(Este é um trecho de uma carta entregue pelo pai de Casto para um velho amigo.)

Querido Diário

... Está cada vez mais frio aqui. E esse é o terceiro ano que papai e mamãe não vem me visitar, desde que o amigo dele está cuidando de mim. O amigo do meu pai, é um velho de barba longa e cinza, bem clara. No começo era muito bom morar com ele, ele me dava tudo que queria, biscoito, leite quente, bonecos. Mas ele mudou depois do primeiro ano que papai e mamãe não vieram me visitar. Muitas vezes ele me deixa do lado de fora da casa, no frio. e fica lá dentro com um monte de mulheres bonitas, a noite inteira. Papai falou que eu seria um grande mago com o treinamento desse amigo, mas não estou gostando do treinamento, semana passada, ele me obrigou a matar Bill, meu coelhinho, com uma pedra azul, e falou que fazia parte do treinamento. Ele me manda lavar a casa, duas vezes por dia. Eu estava brincando com Marye, minha nova amiga, ela é muito bonita, seus olhos vermelhos me lembram maçãs maduras, cheias de vida, mas o velho me viu, eu falei pra Marye se esconder, mas ele foi mais rápido que ela, e deu um tapa no rostinho dela, eu juro que não queria aquilo, só queria brincar um pouco com ela e mostrar meus bonecos, mas eu tinha passado dos quinze minutos de brincadeira que tenho direito. Tomara que papai tenha encontrado o remédio para mamãe e que eles voltem logo...

Uma criança ainda, seus olhos verdes expressariam a curiosidade pelo mundo, a felicidade, o amor e a inocência. Mas não. Sua pele clara e macia e formato do rosto, lembram muito o de sua mãe, Clara, que era uma bela moça, quando ainda viva, já o cabelo negro e os olhos verdes escuros, que já viram mais coisa que o necessário, são de seu pai. Seu rosto junto de sua boca com lábios finos e vermelhos e sobrancelhas tem facilidade em expressar emoções, as mãos finas com dedos e unhas ainda bem cuidados passeiam pelas terras inexploradas. Corpo frágil, braços e pernas finas, se movimentam rapidamente em meio a todos os objetos, buscando cada vez subir, e subir.

Cinco anos depois...

"...A chuva caia, fina e gelada, no alto de uma colina, onde existia uma pequena e quase totalmente degradada casa de madeira, que fora definida abandonada durante anos, por nunca ter algum tipo de iluminação, muito menos presença de humanos , e por algum motivo, nesta noite, estava iluminada. De longe ouviu-se algumas pancadas, como se alguém estivesse forjando algo lá. Não se sabia nada sobre aquela situação, as poucas pessoas que passavam por ali naquela madrugada, olhavam para o alto da colina e logo apresavam os passos, com medo. Lá em cima, algumas tochas, que faziam notar a presença de algum indivíduo lá dentro, a luz emitida por elas saiam de dentro da casa, pelos buracos nas madeiras, quase já em decomposição, pelas janelas quebradas, podia se ver um homem encapuzado e cabisbaixo, tão escuro quanto a noite daquela madrugada. Após um tempo, as pancadas pararam, e noite silenciosa continuou, e enquanto alguns tentavam dormir, outros apenas observavam o alto da colina, tentando entender..."

Pode parecer até clichê, mas sabe... Todos nós temos uma missão, algo pra correr atrás e realizar, um "por que" de termos vindo parar aqui. É uma pena Casto nunca ter tido nenhum laço com a felicidade...

"... Pai, que saudades, você conseguiu a cura pra doença da mãe? Já faz muito tempo que não nos vemos, e essa vai ser minha ultima tentativa de te comunicar onde estou, não sei se recebeu minhas cartas... Tenho muitas coisas pra te contar, conheci uma menina a um ano, ela se chama Carollini, acho que estou apaixonado pai, quero que você conheça ela. Mande um beijo pra mãe, diga que apesar de tudo, estou feliz.

Com carinho,
Casto.

(Este trecho é o final de uma das muitas cartas enviadas de Casto para os pais, embora a esperança já tenha morrido a muito tempo em seu coração, ele manda mensalmente cartas. Não é que ele espere uma resposta, nem que acredite que ainda estejam vivos, mas escrever as cartas é um tipo de fuga da solidão completa.)

A morte de seu tutor, talvez trouxe algo de bom, talvez algum tipo de sentimento, algo entre vingança e liberdade. Mas Casto não fazia ideia, que perto do que as outras pessoas poderiam fazer com ele, o velho era até agradável. Mas de uma coisa Casto tinha certeza, se a intenção do velho era transforma-lo em uma máquina de ódio, o treinamento não fora em vão.



- Não, você não pode fazer isso... - Diz Casto, fechando o punho e dando um soco na mesa de madeira, balançando os copos sobre ela.
- Não é você Casto, sou eu... Eu tenho certeza que você vai arranjar alguma moça melhor que eu para você, tenho certeza!
- Pare de falar assim, Carollini.
- Olhe, você querendo ou não, eu vou com ele. Não dá mais. - Carollini fala, olhando para baixo.
- Você me traiu. - Casto fecha a mão novamente, e dá outro soco na mesa, fazendo uma jarra cair, espalhando o suco no chão, e quebrar em grandes pedaços.
- Claro que não, amor.
- AMOR O CARALHO! - Casto grita levantando da mesa, apontando o dedo para Carollini.
- Casto! Baixe o tom de voz comigo! - Carollini dá um tapa na mão de Casto.
- Quem você pensa que é? Eu te dei tudo que precisava, e agora que conseguiu, vai me trocar?
- Eu não gosto mais de você. Entenda, por favor! - Os olhos de Carollini tornam a ficar cheios de lágrimas, tentando convencer Casto, sem sucesso.
- Entender? Eu entendi muito bem, sua vagabunda, estava me usando. - Casto sai andando, até a cozinha, e em poucos segundos volta.
- Casto! ... Ei, o que é isso? NÃO! PARE, SOCOR!. - A voz de Carollini é interrompida por uma pancada em seu rosto, ela cai no chão, e fica imóvel. O silêncio vem.





Mas tinha alguma coisa que Casto não entendia. Sentado, fumando, apenas observava Carollini formar uma poça de sangue, manchando o tapete azulado. Afinal, com quem ela queria ir embora? Quem seria o homem que Carollini teria trocado Casto? Ela não custumava ir até a cidade, e eles moravam longe. E em um momento, Casto engoliu seco, quando lembra que seu melhor amigo, era um dos homens que frequentava sua casa semanalmente, para vir cuidar do jardim, enquanto Casto trabalhava. Casto tinha certeza. E fez o que foi ensinado a ele desde criança. Fez o que aprendeu, e o que julgou certo.


- Você vai morrer como todos, desgraçado! - Grita Casto, empurrando o rosto de Fred para debaixo do rio.
- CASTO, SOMOS AMIGOS, SOU EU, FRED! NÃO FAÇA ISSO! - Fred grita, desesperado, após Casto puxar sua cabeça para fora da água.
- Seu filho da puta, você me TRAIU! COMO PODE? - Casto empurra a cabeça de Fred para debaixo da água novamente, espera alguns segundos e novamente puxa.
- ELA É SÓ UMA MULHER, NÃO FAÇA ISSO! - Fred volta soluçando e chorando.
- Ela era minha mulher, desgraçado. - Casto empurra o rosto de Fred para dentro da água, até seus movimentos pararem, após isso, joga o corpo do velho amigo dentro do lago, que vai afundando lentamente.