Carta ao filho

Ele era um bom menino. Acordava instantes antes de nascer o sol para treinar com a espada e escudo. Seu Tio sempre o fizera treinar. Após a morte da mãe, o menino fora deixado aos cuidados do Tio, cuja devoção ao pai do garoto era quase que eclesiástica.

À tarde, escamava os peixes para a venda, e à noite treinava a escrita e a leitura. Sempre disciplinado, sempre obediente. Sabia que o futuro lhe reservava algo, e que, embora suas pretensões fossem iguais as de qualquer cidadão pobre de Northport, toda essa preparação parecia começar a adquirir um propósito cada vez mais concreto.

Sua rotina foi quebrada num fim de tarde como qualquer outro, quando os sóis já tocavam o mar, em um dos mais belos crepúsculos de Tibiasula. O menino chegava do serviço, e ao entrar na pequena cabana que dividia com o Tio, viu um estranho pacote em cima de sua cama, alongado, como que para portar uma tocha.

Com o coração palpitando, o menino cortou as cordas com os dentes e rasgou o excesso de papel inútil que o circundava, encontrando um chapéu marrom, de couro de boa qualidade; uma espada embainhada, de igual alto padrão; e uma carta.

Ele sentou na cama, com a espada ao colo, e iniciou a leitura da carta, com facilidade proveniente dos anos de estudo das letras.


Querido e amado Pequeno Terkil,

Aqui quem escreve é seu pai, o Grande Terkil - grande por ser adulto, apenas. Se você está lendo isso, provavelmente não estou mais a desandar por Tibiasula, e há tempos devo ter encontrando minha redenção.

Em você, assim como em mim, fervilha o sangue de um aventureiro, de um desbravador de Novos Mundos, de um ser com consciência de que há uma imensidão a se conhecer antes que finalmente findemos com nossas dívidas. Com consciência de que há mais a se almejar do que simplesmente escamar o peixe e vendê-lo na feira.

Enquanto a mim, lhe digo que cheguei mais alto do que um dia sonhei, vivenciei muito mais do que me era concebível enquanto pescador. Enfrentei criaturas obscuras, que se escondiam nas sombras, cheguei a enfrentar as próprias sombras, em detrimento daqueles que necessitaram de minha espada.Vivenciei a glória da batalha, ao mesmo tempo que testemunhei os horrores da guerra. Presenciei a euforia do viver, assim como as infinitas nuances que levam ao fim das amizades. Lembre-se: o sol nasce, e não dura mais que dia, logo, é nosso dever fazer valer cada instante desta breve existência que nos é oferecida.

Enfim, apenas lhe peço que sonhe, meu filho, como um dia sonhei, e, agora que lhe dou minha bênção, vá à procura daquilo que tanto almejas, pois o futuro é inexorável, e sua sina há de se cumprir longe deste antro de miséria. Vá, e encontre a incrível imensidão do Mundo.



À porta, seu Tio o observava com um sorriso triste, e, com a voz embargada, disse:

-O dia chegou, garoto. Não, não, continue sentado... Temos muito a conversar.