“Vai dar o cu q vc ganha mais, vai estudar caralho, elogiar essa puta deveria ser crime inafiançável…” –Comentário no Youtube retirado do ar
“Tomara que você sofra muito! Beijos, seu otario.” –Disqus Papo de Homem
“Vai dar meia hora de bunda com o relógio parado.” –Youtube de garoto que sofre por homofobia (outro comentário apagado)
“Porra gente, para de ser escrota e julgar as pessoas que vocês não conhecem. Sério, escrotíssimo.” –Instagram do Pc Siqueira de uma garota que o defende usando da mesma agressividade
* * *
O que todas essas frases tem em comum? Elas parecem desconsiderar completamente para quem estão dirigindo sua mensagem e os efeitos que terão sobre o seu alvo.
Quando leio esse tipo de comentário me sinto triste. Pois espero consideração, empatia e compaixão quando alguém se dirige a outra pessoa – mesmo que seja para discordar de algo significativo.
Mesmo o quarto comentário citado acima que pretende defender algum tipo de ataque acaba por alimentar a agressividade que emerge no contexto. Ao invés de considerar as reais intenções por trás do que está sendo dito – busca por atenção e validação social; supostamente preservar algo que consideram positivo na vida do PC Siqueira (ainda que ele não tenha pedido esse tipo de assessoria).
Esses discursos sinalizam uma violência cotidiana, que perpetuamos inconscientemente.
Quero explicar de forma cuidadosa quais os efeitos que esse tipo de desconsideração pelos outros causa nas nossas relações.
“Não pense que o que diz é empatia. Assim que pensa que o que diz é empatia, estamos distantes do objetivo. Empatia é onde conectamos nossa atenção, nossa consciência, não o que falamos.” – Marshall Rosenberg
A violência silenciosa
Podemos passar uma vida inteira com uma sensação de vazio, vivendo de forma apática, fria e superficial, mas completamente crédulos de que está tudo bem.
Muitas pessoas passam uma vida inteira se comunicando de maneira desconsiderada ou até mesmo violenta, sem que se deem conta disso. Acabam, por consequência, não estabelecendo relações significativas e íntimas e acham que está tudo bem, que é assim mesmo.
Como resultado, podem surgir camadas internas de ressentimento, raiva e frustração, pois a pessoa nunca se sente realmente parte de algo enriquecedor.
A definição de Comunicação Não-Violenta(CNV) nos diz que ela:
“…é baseada nos princípios da não-violência – o estado natural de compaixão quando a não-violência está presente no coração.
CNV começa por assumir que somos todos compassivo por natureza e que estratégias violentas – se verbais ou físicas – são aprendidas ensinadas e apoiadas pela cultura dominante.
CNV também assume que todos compartilham o mesmo, necessidades humanas básicas, e que cada uma de nossas ações são uma estratégia para atender a uma ou mais dessas necessidades.”
Fonte
Quando tomei contato com o trabalho de Marshall Rosenberg e a Comunicação Não-Violenta (CNV) em 2006, percebi que muitos dos problemas que atravessamos nos relacionamentos pessoais e profissionais poderiam ser resolvidos se tivéssemos a habilidade de criar uma comunicação cheia de empatia e compaixão, fundamentada na ideia de uma vida mais rica e harmoniosa com os outros.
Link Youtube
Origem da CNV
“A não-violência significa permitirmos que venha à tona aquilo que existe de positivo em nós e que sejamos dominados pelo amor, respeito, compreensão, gratidão, compaixão e preocupação com os outros em vez de sermos pelas atitudes egocêntricas, egoístas, gananciosas, odientas, preconceituosas, suspeitosas e agressivas que costumam dominar nosso pensamento. (…) O mundo em que vivemos é aquilo que fazemos dele” - Arun Gandhi (neto de Gandhi e fundador do Instituto Gandhi pela Não-violência)
Quando o psicólogo americano Marshall Rosenberg tinha 9 anos precisou ficar trancado por 3 dias em casa com sua família por conta de um conflito racial que eclodiu na sua vizinhança, em Detroit, culminando na morte de quarenta pessoas.
Já formado, começou a pesquisar os fatores que afetam a capacidade humana de se manter compassivo. Por conta disso, caiu imediatamente no papel crucial da linguagem e do uso das palavras e desenvolveu uma abordagem específica de comunicação (falar e ouvir) – que permita uma conexão maior entre as pessoas para que a compaixão possa emergir, mesmo em situações críticas.
Ele vem realizando um trabalho de conscientização em mais de 65 países, proferindo palestras em locais de conflito e guerra como na Cisjordânia, Ruanda, Croácia e Belgrado.
No entanto, a comunicação não-violenta pode ser aproveitada por todas as pessoas, não somente aquelas que lidam com situações de conflito ou que atravessam um impasse com alguém significativo.
Ela exige bastante prática, esforço, paciência, dedicação e envolvimento genuíno.
Objetivo da Comunicação não-violenta
“O que almejo em minha vida é compaixão, um fluxo entre mim e os outros com base numa entrega mútua, do fundo do coração.” –Marshall Rosenberg
A CNV essencialmente busca a pacificação de uma guerra cotidiana, já que nos habituamos a expressar o que queremos de forma impositiva e desatenta.
É muito comum as pessoas expressarem certo tédio, tristeza, raiva ou frieza no dia-a-dia, sem notar que cultivam uma nociva desconexão e lentamente passam a não ver sentido em suas conversas, encontros e eventos sociais.
Apesar de sentirem um clima de cinismo, falsidade e hipocrisia generalizada, essas pessoas não conseguem identificar em si mesmas a alienação emocional que condenam nos outros.
A CNV tem o objetivo de resgatar o que há de mais genuíno nas pessoas: suas emoções, valores e a capacidade de se expressarem com honestidade, ajudando os outros com real empatia – ou seja, mergulhando nas verdadeiras necessidades do outro e não em sua vontade de parecer altruísta.
As motivações ocultas da comunicação
“A arte de fazer a vida significativa e bela, o que envolve a descoberta de conexões entre o que parece não ter conexões, unindo pessoas e lugares, desejos e memórias, através de detalhes cujas implicações passaram despercebidas.” –Theodore Zeldin
Ao conversar sobre qualquer assunto o que mais idealizamos, sem saber, é criar algum tipo de troca e escuta saudável. Ninguém quer um relacionamento truncado, aflitivo e cheio de problemas.
Muitas vezes não conseguimos e aumentamos o abismo psicológico entre nós e os outros.
Usamos termos agressivos, palavrões, ataques desproporcionais, acusações e trocas de argumentos falaciosos para chegar ao final de uma conversa com a sensação de soberania.
Basta reparar como as pessoas falam com suas mães, alvo usual de descarga emocional. O resultado de longo prazo é que depois de muito tempo de convívio já não sentimos aquela vibração ou conexão inicial estimulante.
A comunicação usual que estabelecemos é cheia de ruídos, vindos também de uma dificuldade pessoal em se abrir de forma vulnerável e em atingir a pessoa na necessidade delicada de ser apreciada.
Velhos hábitos, grandes danos, raízes profundas… compaixão
“Para além das ideias de certo e errado, existe um campo. Eu me encontrarei com você lá.” –Rumi
A maioria das bases educacionais e morais que conhecemos é violenta. Ao estabelecer noções rígidas de certo e errado, estabelecemos também as ideias implícitas de mérito e punição.
A educação formal, familiar e a cultura ( educação) nos arrastam para julgamentos moralizadores como culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica, comparação e diagnósticos, ou seja, uma linguagem rica em palavas que classificam e separam as pessoas e seus atos em dois grupos: os privilegiados e os excluídos.
Comentários que resultaram no texto “Por que transformamos tudo em zoeira?”
Essa linguagem de coerção, ameaças e chantagens faz com que as pessoas expressem cada vez menos boa vontade, ainda que se submetam aos valores expostos.
Pois ao aceitá-los, internalizaram também culpa, medo, ressentimento e vergonha.
Ou seja, mesmo que os valores apresentados sejam coerentes, as pessoas tendem a se afastar deles ou de sua origem, pois foram impostos.
Nossa linguagem habitual vem dos mesmos locais, compartilha dessa raiz que busca dominar e convencer. E não se conectar e se relacionar.
Mais, nossa linguagem usual também tende a nos esconder da responsabilidade por nossas ações, nos desconectando de nossos atos e das pessoas em volta.
Alguns exemplos nos quais ameaçamos e chantageamos:
“Eu fui com você aquele dia numa festa e agora você se nega a ir comigo. De verdade, só nunca mais peça nada para mim!”
“Eu sou sua mãe e sei o que é melhor para você. Se fizer isso causará uma decepção profunda no meu coração”
Exemplos nos quais não assumimos a responsabilidade:
“Não tinha como fazer diferente, meu chefe me obrigou.” (autoridade)
“Fiz isso porque me deu tesão, sou uma pessoa muito instintiva.” (justificado por impulso)
“Sou assim por causa da minha infância/mãe/pneumonia/depressão.” (condição psicológico ou patológica)
“Bati nele porque me procovou.” (ação do outro)
* * *
Gostaria de apresentar as principais ferramentas que a CNV oferece, e que certamente são muito mais que técnicas para manipular situações de guerra, conflitos internacionais ou brigas de gangues, apesar de serem extremamente úteis nessas situações-limite.
Para facilitar o processo de comunicação, Marshall Rosenberg identificou 4 componentes para diminuir a nossa posição defensiva e criar um espaço receptivo aos outros.
Os quatro componentes da comunicação não-violenta
1. Como se expressar com honestidade
1.1. Observar: de maneira descritiva e não julgadora
Aparentemente nos consideramos ótimos observadores da realidade, mas não percebemos a sutil diferença em afirmar, “fulano é um babaca” e “quando fulano fala alto e usa xingamentos me sinto acuado e com medo”.
No primeiro caso, estamos fazendo uma observação carregada de adjetivos que transformam um retrato particular numa história taxativa de como uma pessoa age se detendo nas aparências, sem oferecer empatia.
Além do mais, o autor da frase negligencia sua profunda necessidade e reage ao que sente diante daquela ação e despeja sobre o outro sua fúria.
A observação da CNV procura descrever o fato sem generalizações ou exageros linguísticos como “sempre”, “nunca”, “jamais”.
Exemplo:
– Porra, cara, você nunca vem nas minhas festas, hein!
Seria, pela CNV:
– Porra, cara, você só veio duas vezes esse ano nas minhas festas. E sinto saudade da sua presença!
É quase uma linguagem textual que coloca a comunicação num nível bem próximo do que aconteceu.
Ao contrário do julgamento que cria uma reação defensiva e cheia de culpa, a avaliação tem o efeito de aproximar as pessoas porque não taxa ou fecha alguém num adjetivo.
Além do mais, evita o discurso carregado de culpa, merecimento ou punição que tanto utilizamos ao avaliar uma pessoa.
1.2. Sentimento: como nos sentimos em relação ao que estamos observando?
Nosso repertório sentimental é muito escasso, normalmente expressamos sentimentos como “um troço no peito” ou “sinto como se você me odiasse”. Nos dois casos não há nenhuma descrição efetiva de sentimento.
No primeiro, falamos de uma sensação física inespecífica e no segundo falamos de um pensamento seguido de um julgamento sobre o outro.
Talvez fosse mais exato falar em “me sinto angustiado” ou “me sinto triste quando diz que vai embora de casa”.
Além do pouco que conhecemos sobre sentimentos, ainda existe o agravante de os considerarmos um sinal de fraqueza.
A CNV estimula uma forma de expressão reveladoramente emocional, mesmo que se corra o risco de ser visto como fraco. Dialogar a partir de um sentimento desarma uma contra-reação hostil.
Como rebater alguém que acabou de expressar que se sente triste diante de nossa desonestidade? Poderíamos tentar justificar alguma coisa, mas o sentimento do outro ainda estaria lá diante de nós.
Exemplo de uma namorada falando com seu parceiro:
– Ontem você me contou para onde tinha ido com seus amigos e logo depois eles me enviaram um torpedo dizendo que estão com saudades [fato descritivo]. Me sinto muito desestimulada e triste [sentimento] a seguir no relacionamento dessa forma, na qual as informações são desencontradas e contraditórias [sem acusação, só um retrato]. Portanto, peço que seja mais claro e honesto [necessidade profunda] ao falar sobre suas intenções quando sai de casa sem mim [pedido específico de um comportamento, não genérico].
Nossos sentimentos resultam de como escolhemos receber as ações e falas dos outros.
Segundo a CNV, podemos reagir de quatro formas a uma mensagem negativa – a algo como “você é um egoísta”:
a) Culpar a nós mesmos. Quando tomamos algo como pessoal e com isso diminuimos o valor do que fizemos com uma aparente autoreflexão, que não vai muito além do martírio.
A reação seria:
“Oh, me perdoe, eu deveria ser mais sensível, que estúpido que eu fui.”
Aparentemente isso parece sensato, mas o custo disso é a agressividade dessa postura consigo mesmo, não há o que ser feito após uma condenação dessas, a pessoa usa de linguagem violenta ao se punir. Esse hábito normalmente é estendido para os outros.
b) Culpar os outros. Aqui tentamos reverter a culpa sobre a outra pessoa.
“Você está sendo implacável comigo, tenho me dedicado tanto a esse relacionamento!”
Nesse caso, além de não abrir espaço para ouvir o que a pessoa diz, ainda estabelecemos barreiras para que se continue o diálogo. Ao pedir que o outro nos entenda, estamos pouco próximos da dor que ela sente ao nos chamar de egoísta, reage-se com uma nova postura de quem só pensa em si mesmo.
c) Escutar nossos próprios sentimentos e necessidades. Aqui já criamos uma maior consciência de nossos sentimentos pessoais sobre aquele fato específico.
“Quando diz que sou egoísta me sinto constrangido comigo, pois sinto necessidade de ser querido e apreciado por você e ouvir isso me faz refletir.”
d) Escutar os sentimentos e necessidades dos outros. Aqui viramos o foco para o que a outra pessoa necessita e nos pede (sem saber que pede).
“Quando diz que sou egoísta imagino que queira mais consideração com suas vontades e preferências, é isso?”
Nesse caso, poderia parecer um ato de condescendência, mas esta rotularia o outro como fraco, quando nesse caso estou tentando clarear as expectativas do outro em relação a mim para abrir a conversa sem contra-ataques.
* * *
O ponto crucial em lidar com conflitos é assumir 100% de responsabilidade por nossos sentimentos, pois as situações externas e pessoas são apenas gatilhos para reações internas hostis.
Sempre temos plena liberdade para reagir de formas diversas. Afirmar que “bati em você porque me provocou” é uma forma de isenção de responsabilidade.
Seria mais preciso dizer “bati em você porque cedi a raiva diante do que falou”.
1.3. Necessidades: quais valores e desejos geram nossos sentimentos?
Quando nos comunicamos a partir de nossas necessidades, sentimentos e desejos, temos mais chance de ser atendidos do que quando usamos julgamentos e avaliações.
Se queremos uma reação compassiva devemos oferecê-la primeiro.
Julgar é dar um tiro no próprio pé, cria fechamento e reatividade.
Ao invés de pensar no que está errado na situação ou na pessoa, podemos pensar sobre quais necessidades queremos ver atendidas. São muitas as necessidades ocultas que carregamos. E as reivindicamos sem notar que fazemos, mas de uma maneira que não fica claro para quem fala e quem ouve.
Autonomia, lazer, celebração (luto, festa), integridade (honestidade, sinceridade, escolha, autenticidade), comunhão (aceitação, calor humano, compreensão, admiração, empatia, encorajamento), necessidades físicas (sono, fome, frio, movimento físico, toque, espaço, saúde), conexão (mutualidade, consideração, integração, confiança, abrigo), enlevamento (alegria, inspiração, harmonia), pertencimento (inclusão, igualdade, contribuição, respeito, compreensão) aprendizagem, paz, diversidade, criatividade, iniciativa, facilidade, comunidade, liberdade, beleza, suporte, presença, cuidado, bem-estar, proteção, clareza, estabilidade, ordem, independência, expressão sexual.
Essa lista de necessidades não é nem exaustiva, nem definitiva. Destina-se como um ponto de partida para apoiar quem deseja envolver-se em um processo de aprofundamento da autodescoberta e facilitar uma maior compreensão e conexão entre as pessoas.
A lista seria enorme, mas o importante é você identificar e ter clareza do que precisa para que o outro tenha chance de reforçar e valorizar isso.
1.4. Pedidos: claros e específicos
Aparentemente conseguimos forçar as pessoas a fazerem coisas que sejam de nossa vontade, principalmente quando um pedido oculta uma exigência ameaçadora. Mas isso tem um preço.
Uma exigência implica que a pessoa se submeta ou se rebele e isso afasta os outros de uma conexão genuína. Afinal, se ela recusa a exigência corre o risco de ser punida.
Quando fazemos pedidos claros e específicos temos mais chance de ser atendidos. A primeira dica é falar de modo que deixe claro o que você quer e não aquilo que não quer.
“Não quero que grite” é um não-pedido. Seria melhor pedir “que fale num tom mais baixo”.
Ao invés de dizer “não quero que me deixe sozinha”, seria mais preciso “quando saímos com os seus amigos, me sinto mais confortável quando permanece ao meu lado”.
Pedir “justiça” é algo vago e tão extenso quanto “me dê espaço para ser eu mesma”.
É fundamental ter clareza do que necessita ao invés esperar que alguém adivinhe seu desejo só por suspirar de um certo modo. Ações objetivas são mais compreensíveis e menos confusas. Caso não fique claro para o outro, cheque com ele se entendeu o pedido ou refaça de outro modo, com tranquilidade.
“Quero que me deixe ser quem sou” é inespecífico e abstrato, seria mais preciso e observável “gostaria de estudar na faculdade que escolhi, cantar sem ser repreendido, poder escolher e responder pelos meus horários e atitudes”.
Tente se comunicar quase visualmente, de modo que qualquer pessoa possa entender.
“Quero te conhecer melhor” é inespecífico, ao passo que “gostaria de sair para almoçar com você e conhecer mais seus gostos e sonhos”.
2. Como ajudar os outros e ouvir com verdadeira empatia
“Uma mensagem difícil é uma oportunidade de enriquecer a vida de alguém.” –Marshall Rosenberg
A forma como nos sentimos impotentes diante do luto de uma pessoa querida reflete a maneira enganosa que tentamos ajudar os outros. Partimos da ideia que as pessoas querem receber algum tipo de conselho salvador ou algo que resolva e “conserte” seu problema.
Como aconselhar os outros quando se trata de vida e morte?
A postura usual aparentemente caridosa cria um tipo de hierarquia na relação (quem sabe-quem ignora), ao mesmo tempo que rompe com um fluxo emocional importante de quem expressa sua dor.
O próprio ajudador se vê forçado a aplacar ansiosamente a dor, ficando impedido de estar presente e ouvindo com total disponibilidade emocional.
Para encontrar uma forma de comunicação genuína, é preciso interromper o fluxo de nossos pensamentos habituais e oferecer uma escuta atenta.
O maior sinal de que alguém realmente foi ouvido com empatia é quando a tensão de suas palavras diminui e ela pode parar de falar e se sentir considerada e mais relaxada sem achar que precisa fazer ou aprender algo.
Só uma pessoa que recebeu empatia e está suficientemente atendida em suas necessidades é capaz de oferecer algo de si para os outros sem impor a si mesma sobre quem ajuda. Se você não se sente aceito, amado e respeitado em suas relações é bem provável que tenha mais dificuldade em acolher os outros com isenção de imposições.
Alguém que esteja abafado por sua própria dor costuma colocar-se a frente dos outros na hora de ajudar.
Aqui seguem alguns exemplos de tentativas de ajuda que surgem de uma pessoa que não está preenchidas em suas próprias necessidades:
Aconselhar: “você deveria” (imposição de perfeição)
Competir pelo sofrimento: “comigo foi até pior, nem imagina…” (quer subestimar a dor do outro e reverter a posição de vítima)
Educar: “que aprendizado pode tirar dessa situação?” (quer catequizar)
Consolar: “você fez o melhor que pôde” (tenta racionalizar uma dor)
Contar uma história: “isso lembra uma história que ouvi” (desviar o foco para uma lição de moral)
Encerrar o assunto: “fica bem tá?” (desvia da dor pela própria dificuldade em lidar com ela)
Solidarizar-se: “oh, meu deus, coitado” (postura infantilizante)
Interrogar: “já pensou que essa pessoa não quis dizer aquilo?” (tenta investigar motivações intelectuais ocultas para afastar da dor emocional)
Explicar-se: “eu no seu lugar teria já feito…” (colocar-se em forma superior)
Corrigir: “você não entendeu nada do que aconteceu, está errada também” (criar culpa)
3. Compaixão consigo mesmo
Sabe o que existe em comum no sentimento que temos ao nos apaixonar, conquistar algo valioso ou de atingir um estado psicológico de esperança ou liberdade?
Um estado de abertura irrestrita para o novo sem culpa, vergonha ou avaliações destrutivas sobre o que somos.
Ao dizer “eu errei” imediatamente entramos numa postura de auto-acusação sem nos dar a chance de mergulhar na dor decorrente de uma expectativa ou necessidade frustrada.
A ideia de que deveríamos ser assim ou assado impõe um estado psicológico de obrigatoriedade e tensão. O tempo verbal do “deveria” pressupõe aprisionamento, falta de escolha e desprazer, já uma escolha feita em sintonia com um valor específico dá prazer colocar em prática.
Curiosamente, no cotidiano temos pouca compaixão com nossas atitudes quando se trata de agir de um jeito que contrariou nossas expectativas. Chamamos isso de erro, e entramos num mar de auto-acusação. Falta carinho com o desempenho duvidoso e inevitável de nossa biografia.
A mesma comunicação não-violenta que utilizamos ao tentar ouvir as necessidades dos outros pode ser aplicada ao fazer uma auto-análise. Diante de um “erro”, ao invés de cair no ciclo de acusações, podemos nos perguntar que tipo de necessidade não foi atendida.
Um homem chega tarde do trabalho e a esposa o acusa de colocar tudo a perder no casamento dizendo que está cansado desses atrasos.
O diálogo interno que se segue costuma ser implacável.
– Eu deveria ter me imposto para o meu chefe, mas sou um covarde, faz 10 anos que trabalho ali e ajo sempre do mesmo jeito. Que desastre ambulante.
Uma outra forma de seria assim:
– Quis mais uma vez agradar meu chefe e parecer eficiente, gosto de ser visto como alguém insubstituível, ao mesmo tempo estou com medo de perder o emprego e decepcionar minha esposa. De outro lado ela tem razão, quem aguentaria tantas noites sem uma companhia, ela está pedindo meu amor e presença. Como posso conciliar meu desejo de ser capacitado profissionalmente ao mesmo tempo que quero passar mais tempo com minha família?
É possível perceber que ao invés de entrar numa “solução” simples de auto-acusação ele identificou quais eram as forças em jogo e se colocou numa posição de alinhamento com seus valores contraditórios e os da esposa.
4. Raiva
As pessoas que parecem monstros são apenas seres humanos cuja linguagem e comportamento às vezes nos impedem de perceber sua natureza humana.” –Marshall Rosenberg
Diante de uma pessoa que age de forma raivosa ou descontrolada, não notamos que ela está se sentindo completamente incapaz de fazer pedidos claros e se conectar com sua própria dor.
Uma pessoa que projeta uma imagem “durona” costuma estar paralisada pelo medo de ser vista como vulnerável e perder autoridade ou controle.
A raiva costuma ser resultado de uma necessidade não atendida associada a uma interpretação distorcida de um fato. Ao se irritar com um amigo pelo atraso, lembre-se que não é o atraso apenas que causou a raiva, mas o desapontamento de não se sentir respeitado em sua presença.
Longe de ser irracional, a raiva é determinada pelas imagens e interpretações feitas por nós das ações dos outros – tendo como referência nossa idealização do que seria justo.
Se uma criança da família pisa no seu pé, será avaliada com mais condescendência se comparada a um adulto estranho, já que vai pressupor que ele deveria estar olhando, atento, preocupado, cuidadoso e educado. Não é o pisão no pé que estritamente criou a raiva, mas a necessidade de que adultos sejam corretos com você.
Quando expressamos raiva, gastamos uma energia enorme em punir alguém e não focamos em atender as nossas necessidades. Ao mesmo tempo usamos julgamentos, análises e ideias conspiratórias de que os outros são maus, mentirosos, irresponsáveis, corruptos e gananciosos.
Certamente alguém que nos ouça nesse estado emocional não irá se interessar pelas nossas necessidades, mas apenas reagir com indiferença e hostilidade.
Quando se sentir prestes a explodir, experimente:
1. Parar e respirar profundamente
2. Identificar os próprios pensamentos, em especial aqueles julgadores
3. Conectar-se às próprias necessidades, escondidas por trás da raiva
4. Expressar seus sentimentos e necessidades não-atendidas
Marshall dá o seguinte exemplo, em seu livro “Comunicação não-violenta”, de como reagir a um atitude de discriminação racial:
“Quando você entrou nessa sala, começou a conversar com os outros, não falou nada comigo e então fez um comentário sobre brancos, fiquei realmente enojado e muito assustado. Isso despertou em mim todo tipo de necessidade de ser tratado com igualdade. Eu gostaria que você me dissesse como se sente quando digo isso.”
Seria difícil um conflito ganhar força diante de tal postura.
Mas o que fazer quando somos nós o alvo da raiva?
Uma possibilidade de lidar com a raiva de alguém seria identificando qual o pedido implícito no esbravejamento, fazendo perguntas empáticas:
“Queria entender melhor, como você se sente a respeito disso?”
“Gostaria de ouvir seus reais sentimentos em relação a tal coisa…”
Reforçando assim a conexão com suas necessidades profundas e deixando cada vez mais claro o que a pessoa quer, ao invés de entrar num embate intelectual.
Exercícios práticos
Imagino que agora temos muito a que pensar sobre a maneira como nos relacionamos e falamos com as pessoas de modo geral, seja na hora de expressar um incômodo ou ouvir um problema, e até de que como administramos nossos próprios sonhos, medos, desejos e necessidades.
Tenho a esperança de que ao terminar de ler esse texto você possa estar menos adormecido para a compaixão.
Também gostaria de ressaltar que a CNV não é uma maneira de obrigar você a parecer passivo, simpático ou com ausência de força, mas em como chegar em resoluções que possam alinhar você, o outro e o mundo em que vivemos.
Esse método propõe muita ação, persistência e tranquilidade, para entender que existe um espaço humano seguro para discordar e até não se entender – e mesmo assim seguir conectado, dialogando.
A comunicação não-violenta teria muitos desdobramentos e percursos que não foram tratados nesse texto (como elogiar com verdadeira empatia, lidar em conflitos de guerra, negociação com criminosos, educação escolar, justiça restaurativa, como e quando usar a força física…), mas gostaria de ouvir vocês e saber se estão satisfeitos com o modo como se comunicam hoje.
Proponho três exercícios práticos:
1. Comentar nesse texto ou em outros artigos do próprio PdH já exercitando essas ideias
2. Ver na sua lista de comentários passados no Disqus como poderia melhorar sua maneira de se comunicar
3. Testar esses princípios com alguém num assunto difícil, fora da web, e depois relatar por aqui como foi
Que tal?