Assunto: Aí é que está a graça Sex maio 27, 2011 11:05 am
Citação :
O texto ficará mais extenso que o normal, mas não tem como ser diferente. Preciso contextualizar para que entendam onde quero chegar. Prometo ser o último post comprido que escrevo:
Jay Leno tinha um programa as onze da noite e foi para o horario nobre, as oito. Ele registrou ao vivo o momento que passou seu programa, o Tonight Show, para outro comediante, o Connan O´brien, que até então tinha um programa após Jay Leno chamado Late Night. Jay Leno então foi para as oito da noite com o Jay Leno Show, O´brien ficou as dez com o Tonight Show e no Late Show entrou Jimmy Fallon. Três comediantes seguidos na grade da NBC. Aconteceu uma trapalhada enorme quando Jay Leno não deu certo as oito e pediu de volta seu antigo programa. Isso colocaria na rua Conan O´brien ou Jimmy Fallon. Você entende melhor o caso se ler isso aqui, mas o importante é entender que houve uma crise envolvendo muitos comediantes no showbusiness americano e Jay Leno e Jeff Zucker, presidente da NBC, eram os "vilões" do momento.
O que me maravilhou nessa discussão é que todos comediantes em atividade na TV naquela faixa de horário entraram na briga durante semanas. George Lopez da TBS, fez piadas com O´brien insinuando que no futuro ele pediria esmola na rua. O´brien por sua vez fez piadas da sua própria situação e um dia começou seu show dizendo: "O presidente da NBC me proibiu de falar sobre o assunto. Mas ele não me proibiu de cantar". Então ele cantou ofensas dirigidas a emissora e a Zucker.
No auge da tal crise, Jimmy Kimmel, da ABC, concorrente direto de Jay Leno, entrou ao vivo na NBC, na emissora e no programa do rival, e fez piadas que constrageu seu anfitrião Leno. A platéia? Cagou de rir. Veja aqui!
Só pra terminar, David Letterman, do Late Show da CBS, principal concorrente de Jay Leno, aproveitou a ocasião, relembrou o passado, quando Leno puxou seu tapete. Durante semanas e semanas Jay Leno teve que aguentar as piadas de Letterman, que fazia uma vozinha de gay quando o imitava, além de literalmente o ouvir a todo momento chamar o presidente da NBC de "retardado". No final da crise sabe o que aconteceu? Jay Leno, o alvo das piadas podres de Letterman, apareceu como garoto propaganda do programa de seu principal rival, onde mais uma vez teve que aguentar Letterman fazendo aquela vozinha!
Você conhece algum comediante no Brasil que entenda de comédia o suficiente para aceitar esse tipo de coisa de seus concorrentes? Conhece alguma emissora aqui que não seja provinciana a ponto de permitir que seus comediantes façam piadas abertamente sobre o que quiserem? Conhece uma grande parcela de público que entenda que o papel do comediante é falar sim o que ele quer, onde ele quer da forma que quer?
Antes de chegar onde quero só mais um pouco de paciência e me acompanhe. Preciso lembrar algumas outras coisas que já vi.
Lembro quando o Saturday Night Live execrou a republicana, na ocasião vice de McCain na corrida à presidencia, Sarah Palin. Tina Fey estava caracterizada como Pallin. Me surpreendi quando cortaram pro bastidor. Adivinha quem estava no estúdio assistindo tudo? Sarah Palin em pessoa! Quando você acha que a piada acaba, entra Alec Baldwin e começa a falar mais um monte de barbaridades na cara da governadora. No meio do programa a republicana, e não sua imitadora, entra e participa de um quadro.
Você conhece algum político no Brasil que tem o cérebro desenvolvido o bastante para entender que ele se torna mais popular quando participa de uma piada e não quando a censura? Conhece alguém por aqui que em plena época decisiva de eleição se colocaria a disposição para ser empalado por comediantes em praça publica porque entende perfeitamente que o humor pode ser usado a seu favor?
Essa é recente. Globo de Ouro 2010. Rick Gervais, comediante inglês, subiu ao palco com um copo de bebida alcoólica. Ele disse, em transmissão para o mundo todo, algo como: "Esse copo de bebida não é meu. Só trouxe ele aqui porque quero que entre Mel Gibson". Todos riram com a chacota (pesada) sobre os escândalos de alcoólismo do astro de Hollywood. Sabe o que Gibson fez? Subiu ao palco e fingiu que estava bêbado.
Tem ainda o caso pensando e roteirizado, nos extras do DVD de Trovão Tropical. Robert Downey Junior participa de uma sabatina de piadas pesadas sobre seu problema com drogas e escândalos com a polícia. No recente Zumbilândia Bill Murray satiriza seus trabalhos e ridiculariza algumas escolhas na carreira. Winona Rider, presa por furto, outro dia participou de uma esquete onde roubava uma loja e Paris Hilton em momento algum tentou tirar o Youtube do ar, ao contrário, ela até hoje faz piadas com seu vídeo de sexo que vazou.
Você consegue imaginar alguma celebridade brasileira com a inteligência só um pouquinho acima da média para embarcar numa piada que faz uma alusão óbvia e até agressiva sobre sua fraqueza, seus escândalos, sua má fama ou até mesmo sobre o seu peso ou escolhas erradas? Conhece alguém por aqui com bom senso o suficiente para não se ofender ou levar a sério quando um comediante pisa no seu mais dolorido calo?
Pra encerrar preciso lembrar de 2006, quando o comediante Stephen Colbert arregaçou, face a face, com transmissão ao vivo para todo o País, em uma cerimônia oficial, o homem mais poderoso do mundo na ocasião, o presidente dos Estados Unidos, George Bush.
Você consegue imaginar o Lula ou o próximo presidente da República admitindo ouvir de um comediante muitas piadas (leia-se também verdades) sobre sua postura, suas mazelas, suas falhas, seu governo, sua popularidade? Acha que algum presidente teria assessores inteligentes o bastante para o aconselhar a fazer isso?
Ok. Agora acho que posso chegar onde quero.
A comédia americana fornece as maiores referêcias, os melhores profissionais, os mais hábeis escritores e os momentos mais célebres porque o comediante é ousado, o seu alvo de piada é inteligente, seu público não é burro e o ambiente onde ela é desenvolvida respira liberdade.
Quando uma personalidade lá passa por escândalos, eles vão com as próprias pernas pagar seus pecados no programa de algum humorista. Eles fazem isso por 3 motivos:
1) Eles adoram quando um escândalo vira piada. É sinal que ele não precisa mais ser levado a sério.
2) Eles são seguros o suficiente para rirem de si. Eles não são celebridadezinhas de novelinhas subdsenvolvidas. Não são coronéizinhos que foram eleitos na base de esmola em troca de voto. São astros internacionais. São políticos, podres como qualquer politico, mas realmente poderosos. O que construíram não é fragil como o que se constrõe por aqui. A tortada de um humorista não os derrubam do pedestal onde estão.
3) Eles se tornam mais populares ainda porque dão ao público o que o público quer. E o que todo mundo quer é rir de uma boa piada. Eles compreendem perfeitamente que uma boa piada sempre fala de uma grande verdade.
Nos meios de comunicação do Brasil reina a cultura padrão do estado, a cultura do Coronelismo. A emissora é um grande poder com mentalidade provinciana, ela é o coronel da classe artística. Não fale mal da Globo ou da Record, por mais podre que seja sua história, senão você nunca vai encher o rabo de dinheiro lá. Não posso também fazer piada com o casting da Band, onde trabalho, senão vai lá saber se não me mandam embora! Fale mal das celebridades de novela e os outros artistinhas vão te boicotar. Não fale certas piadas, senão certos jornalistas vão lançar a manchete que você blasfemou "uma ofensa". Esse tipo de polêmica forçada vende bem para aquela parcela da massa que é burra o suficiente para não entender o termo P-I-A-D-A.
O linha do limite do humor no Brasil é muito apertada. E patética. A esperança dessa linha ser alargada está na ousadia dessa nova geração de humoristas. Mas não sei se vai rolar. Eu abro revistas e vejo amigos comediantes confortáveis dentro desse limite. Eles não estão fazendo piadas com o mundo das celebridades. Ao contrário. Vejo muito deles se divertindo nesse mundo, pedindo um alvará pra ser aceito e reconhecido como celebridade também. Sabe o aluno bagunceiro da sala que senta na última cadeira? Todos sabem que a qualquer momento pode ser alvo desse cara. Alguns acham graça e outros pensam "que droga que ele está na minha classe. Mas não tem jeito! Eu tenho que aguentar!". Esse é o lugar do comediante na classe artística. A última cadeira da classe. Mas o que vejo são colegas de humor disputando a primeira fileira!
Não rola comédia de opinião por aqui. Isso pode desagrar as pessoas! Então somos genéricos. Só falamos mal em público de político em geral ou do que já foi preso. Dificilmente de um estabelecido. Isso pode gerar críticas da oposição. Já vi comediante fazer piada no twitter e jornalista atrás de click vender aquilo como "ofensa grave". Mas isso não é tão ruim. O ruim foi ver o comediante por causa disso pedir desculpas em público por ter falado o que se espera que um comediante fale: P-I-A-D-A. Já li entrevista de um comediante muito talentoso dizendo: "na escola eu era amigo dos nerds e dos bagunceiros". Ele não quer se comprometer nem com o seu passado, afinal ele é um bom rapaz! Agrada todo mundo. O problema é que comediante não é o bom rapaz! Pense num comediante realmente grande, que foi reconhecido mundialmente pelo seu trabalho.
Pensou?
Então. Ele não era o bom rapaz. Ele era o moleque sem educação que falava o que ninguém queria ouvir ou agia sempre de forma errada no lugar errado. Um anarquista maluco. Ele não é o seu herói. Ele é o seu anti-heroi. Se o senso de justiça do homem comum é agradar a todos o do comediante é desagradar a todos igualmente. O comediante não é uma adorável companhia. Ele é um adorável Filho da puta! Isso é ser comediante de verdade!
Mas aqui no Brasil não se admira o comediante de verdade. Porque a verdade não é admirável. Nossa cultura nos ensina a lucrar com a mentira. Rir com a verdade é algo que não entra na cabeça de ninguém por aqui. Aqui a verdade é feita para ser maquiada. A verdade não diverte ninguém. Assusta. Fiquemos então com os imitadores de Silvio Santos, os burros que falam palavras erradas, os trocadilhos, os contadores de anedotas, a gostosa semi-nua que faz biquinho e mostra a coxa e o cara em traje caricato que fala um bordão. Eles não incomodam ninguém.
E o comediante que ousar brincar com a verdade vai cair no esquecimento, de boicote em boicote. E pensando bem é possível que eu esteja indo, em poucos anos, exatamente para lá, para o esquecimento. Mas eu te juro que eu vou contando piada.
Eu realmente gostaria que no Brasil os alvos das piadas não se considerassem tão frágeis, o público não fosse tão limitado e os comediantes não fossem tão covardes e acomodados.
Ficha da Personagem Personagem: Draco Zephayn Vocação: O Druida Frustrado.
Assunto: Re: Aí é que está a graça Sex maio 27, 2011 2:53 pm
Ele explicou o contexto muito bem, foi um ótimo texto. Um desabafo eu diria, porém tudo se resume a essa ultima frase:
Danilo Gentili escreveu:
Eu realmente gostaria que no Brasil os alvos das piadas não se considerassem tão frágeis, o público não fosse tão limitado e os comediantes não fossem tão covardes e acomodados.
O problema disso tudo é a cultura que nos é passada, e eu realmente não faço idéia de como mudar isso. Qualquer pessoa com a qual você fazer uma piada na cara dela sobre um problema de alcoolismo, vai ficar puta contigo. Ou melhor, por qualquer problema que você passe, ser alguém fizer piada sobre, você vai ficar fudido.
Por essas e outras, os famosos que se acham OS BAMBAMBAM's desse pais, o número pequeno de pessoas que não estão contando as moedas pra comprar pão, os que são idolatrados por milhares de fã clubes idiotas, os mais amados do pais, os a prova de balas, você acha que ELES iriam aceitar piadas com os seus problemas?
Se com problemas já é ruim de aceitar, e com VERDADES então? Ou você acha que algum politico se diverte vendo cqc? E olha que eles não são nem tão pesados assim em suas piadas, imagina se fossem?
E o pior de tudo isso, o público brasileiro, é claro, que não tem inteligência o suficiente pra entender a piada e não ficar achando que foi um ataque pessoal a musa da sua vida.
Um bom exemplo disso, foi no dia das mãe, Rafinha Bastos ter tuítado a seguinte frase
Rafinha Bastos escreveu:
@rafinhabastos Ae órfãos! Dia triste hj, hein?
Eu não vou conseguir achar aqui pra vocês agora alguma das replys que ele recebeu com xingamentos e coisa e tal a respeito desse tuíte, pois ele tem seguidores pra caralho que mandam coisas pra ele a todo segundo, mas enfim, vocês já devem imaginar o que ocorreu.
Enfim, tudo isso seria diferente se nesse país se investisse mais em cultura e educação.
zack746 CONTRIBUINTE - Manauara Cult
Ficha da Personagem Personagem: Isaac Guerreiro Vocação: Conseguir fuder com a própria vida
Assunto: Re: Aí é que está a graça Sáb maio 28, 2011 11:41 am
Pra mim o que aconteceu é que o Rafinha Bastos levou uma mijada de alguém, mas uma boa mijada na cara pra variar e fez esse texto numa sexta-feira pra desabafar. Ele parece bem certo, mas vendo por um contexto o que ele pede é na verdade uma liberdade que nem mesmo a tal "american comedian" tem...
A questão é simples. "Celebridades Brasileiras" (todos aqueles que estão na posição de destaque pela midia, não sendo necessariamente celebridade) não tem bons profissionais pra construir a imagem deles. Questão é que nos Estados Unidos todas as celebridades em média tem uma equipe de Relações Publicas que ajuda ele a tomar cada decisão perante a mídia. Quando por exemplo nos Estados Unidos saem notas contra tal pessoa a equipe de Relações Publicas entra pra tentar controlar a "crise". Uma das regras na teoria de comunicação pra controle de crises é que você não deve segurar informações. Quando você limita informações ou tenta esconder algo que fez de errado pode ter certeza que a mídia só vai piorar as coisas. Então se você errou, diga que errou e tome providências. É isso que os americanos fazem...
Quando sae uma nota piadista sobre tal pessoa ele tenta avaliar a situação sua equipe e tenta mediar a crise. Não é porque tem bom-senso, ou porque parecem mais "inteligentes". Claro que eles ficam putos afim de mandar o maldito filha da puta que fez a piada pra puta que pariu mas isso não ajudaria na imagem deles, só faria mais estrago.
Só que aqui no Brasil não tem dessas, as pessoas não tem dinheiro nem profissionais bons o suficiente pra isso. Lembrei agora de uma palestra que teve de algumas pessoas que trabalhavam com celebridades, formados em relações publicas. Eles disseram que o que mais atrapalhava o trabalho deles era os próprios clientes, porque eles não aceitavam a opinião dos profissional. Isso sim é falta de bom-senso...
Em resumo, o que ele falou aí tem alguma verdade mas não significa que seja o unico ponto de vista. Pra mim é só revolta de uma filha-da-puta que levou cala-a-boca de algum poder. Pra mim as piadas vão continuar servindo como um meio de esconder a verdade, e não de mostra-la.